Foi publicado, esta sexta-feira, o aviso de abertura do processo de Consulta Pública sobre o projeto de decisão de inscrição da manifestação “Canto a Vozes de Mulheres” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. A consulta pública terá a duração de 30 dias. As cantadas do Grupo “Terras de Arões”, de Vale de Cambra integra este projeto e apela ao contributo de todos para levar por diante a fase que pretende proteger a cultura de um povo.
Abriu nova Consulta Pública para inscrição da manifestação “Canto a Vozes de Mulheres” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (PCI). Foi publicado no Diário da República n.º 83/2023, Série II de 2023-04-28, página 82, o Anúncio n.º 86/2023 relativo à Consulta pública para efeitos de inscrição do «Canto a Vozes de Mulheres» no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.
O Grupo “Terras de Arões”, fundado em 1997 e sediado na freguesia do interior do concelho de Vale de Cambra integra este movimento que representa vários grupos sobretudo do Norte e Centro do país, que pretende que os característicos cantares femininos permaneçam e sejam um incentivo à transmissão para as novas gerações.
“A cultura deste tipo de cantares perdura na freguesia de geração em geração e é preciso protegê-la e eternizá-la”, referia a presidente do Grupo, Maria da Luz, em reportagem do Voz de Cambra em 2021.
O “Canto a Vozes”, também conhecido como canto polifónico tradicional apresentou candidatura a património da UNESCO com o objetivo de dar destaque e defender esta tradição onde as mulheres cantam, a três e mais vozes, num repertório legado pela sociedade agrária tradicional.
“O seu apoio é fundamental!”, apela o Grupo “Terras de Arões” para que participem na consulta pública do processo de inventariação da manifestação “Canto a Vozes de Mulheres” na Lista Nacional do Património Cultural Imaterial, que se encontra disponível através do sistema MatrizPCI, ou por e-mail para inpci@dgpc.pt.
“O Canto a Vozes”
“O canto a vozes de mulheres é uma manifestação cultural que dá voz a mulheres em diferentes localidades rurais do centro e norte de Portugal há sucessivas gerações e pode também encontrar-se em comunidades e(ou) grupos geograficamente distantes, mas que de alguma forma tiveram, ao longo da sua história, contacto com essas práticas.
São as mulheres que, em grupos só de mulheres ou mistos, cantam as vozes que formam a polifonia vocal, sendo por isso as detentoras do conhecimento diferenciador desta prática. Valorizam uma distribuição não equitativa das cantadeiras pelas vozes cantantes, numa relação que pode ir de 15 elementos na voz mais grave para um, dois ou três nas vozes mais agudas.
Esta característica performativa justifica que em cada um dos grupos haja, na maior parte dos casos, apenas duas ou três cantadeiras com competências para realizar a polifonia, na voz mais aguda. Face a essa escassez de cantadeiras detentoras desse saber específico, em situação de luto ou doença destas cantadeiras, o grupo fica impedido de realizar as polifonias a três e mais vozes. Os grupos percebem essa fragilidade e têm consciência da urgência em desenvolver iniciativas no sentido de instruir novas cantadeiras na competência específica da sobreposição de vozes.
Por isso, uniram-se na Associação de Canto a Vozes – Fala de Mulheres para discutir e implementar estratégias de salvaguarda. A complexidade deste saber-fazer musical, que implica a aquisição e aperfeiçoamento coletivo de um amplo leque de competências musicais, tem dificultado esse processo de transmissão.
É de notar que tradicionalmente, as mulheres aprendiam a cantar de ouvido observando, imitando e seguindo as advertências das cantadeiras mais experientes. No século XXI, o contexto de transmissão que ocorria no trabalho coletivo ou doméstico vem a ser substituído pelos contextos de preparação ou ensaio (este último em processos com mais formalidade).
Todavia, o processo de transmissão continua a ser oral, através da escuta e reprodução reiterada coletiva. Nas localidades onde o canto a vozes de mulheres se canta e faz ouvir, esta prática assinala os momentos de celebração dessa comunidade e do seu passado.
(…) Alguns grupos estão ligados a associações ou coletividades, ranchos folclóricos e/ou grupos de folclore e, maioritariamente, os elementos destes coletivos mantêm entre si afinidades familiares, de vizinhança, mas principalmente de pertença, ligação e representação de uma comunidade local.
A maior parte dos grupos não tem ensaiador ou maestro, sendo uma das cantadeiras ou cantadores a assumir a coordenação do canto a vozes. Desconhece-se a origem deste canto. Alguns estudiosos colocam a hipótese de terem origem eclesiástica (Bonito 1957) e anterior ao século XVII (Sampaio 1940). Todavia, em narrativas de viagem há referências a grupos de mulheres a cantar polifonias nos campos (Montebelo 1660)”.