A meu ver, votar é um ato de amor. Amor para com as gerações futuras que não merecem um mundo arruinado pelas nossas decisões eleitorais ou falta delas e amor para com os nossos antepassados que tanto lutaram para que as suas vozes pudessem ser ouvidas, ainda que oprimidos pela ditadura, obrigados a lutar na Guerra Colonial numa causa que não era a sua, sendo muitos deles presos e torturados na sua luta pela liberdade, sendo que esta última só lhes foi devolvida na Revolução dos Cravos. Só depois do 25 de Abril de 1974 os nossos antepassados puderam escolher livremente quem os representasse politicamente por sufrágio universal e lhes desse uma vida melhor.
Por outro lado, votar também é uma arma. E poderosa. Com o nosso voto podemos usar essa arma para a estabilidade e cumprimento da democracia ou para alimentar o fogo dos extremismos e populismos, eternas armadilhas antidemocráticas.
Por isso, o que mais me entristece é saber que há pessoas que escolhem nem lutar pelo futuro nem honrar o passado, não querendo saber do poder que a arma do direito de voto lhes confere. Esquivam-se a responsabilidades, inventam desculpas; não há culpa que os morda. Muitos deles são abstencionistas que pensam que ao não ir votar estão até a castigar os políticos, numa espécie de vingança sem qualquer sentido utilitário. Uma ideia estapafúrdia de mentes reduzidas, é o que é.
Estas eleições presidenciais foram, como já se sabe, marcadas pela abstenção. É certo que muitos cidadãos portugueses não puderam ir votar por estarem em isolamento profilático, de quarentena ou por estarem hospitalizados devido ao Covid e, desses, nada tenho a dizer, como é claro.
No entanto, causada pela preguiça de valores, a abstenção só abre espaço para ideias populistas radicais que se alimentam avidamente da ignorância do próximo, convertendo-o para as suas causas ou usando-o nas estatísticas fantasiosas e propagandistas dos seus partidos. E é aqui que partidos como o Chega e candidatos presidenciais como o André Ventura vão ganhando terreno, afirmando que o país necessita de uma nova liderança, porque o povo português não está satisfeito, como apontam as estatísticas X e Y. Contudo, pior do que os abstencionistas, são os eleitores não esclarecidos, ou, por outras palavras, os que se deixam levar pelas falinhas mansas de alguém que parece inteligente e poderoso. Esses são o maior perigo que uma nação pode enfrentar. Eleitores que se deixam vender ao que pensam ser o peixe melhor e mais barato (coisa que não existe) e votam no candidato mais versado nas suas fantasias, nos seus saudosismos, nas suas vaidades. Estas eleições presidenciais foram prova disso: pelos vistos 500.000 portugueses votaram em André Ventura. Com certeza tudo boa gente, está claro, uns bons velhos fascistas que nunca estiveram em Peniche ou no Tarrafal e que gostavam de sublinhar a azul os textos que liam.
Enfim, (e sem qualquer simpatia ideológica de minha parte a não ser a democrática) tal grave foi o caso que até o Alentejo, desde sempre de grande tradição eleitoral comunista, se deixou seduzir pelo candidato mais falacioso destas presidenciais e de extrema-direita, isto em tempos de desespero como estes em que vivemos. Algo simplesmente deplorável, pois é nestes tempos que este tipo de fenómenos acontecem. Em suma, as ilações que podemos e devemos retirar destas eleições presidenciais é que a democracia (apesar de ter ganho o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa com esmagadora maioria) nunca está completamente assegurada e segura e que a única forma de proteger o nosso país e a nossa herança democrática aos mais novos e prestar tributo aos mais velhos é votar esclarecidamente; por outras palavras, saber em quem se está a votar e o que esse candidato propõe em concreto no seu programa eleitoral, tendo sempre em conta que o desespero é sempre mau conselheiro em termos de política.
Só desta forma, atentos e vigilantes, podemos assegurar-nos de que temos as condições ideais para lutar pelos valores democráticos que trazem paz e progresso ao nosso país.